Campanha Dublagem Viva

O que nos faz brasileiros? O que é ser brasileiro? É nascer no Brasil? Morar no Brasil? É falar português brasileiro? É ser daquele bairro, daquela cidade, daquele estado?

Nosso país, nossas peculiaridades estão presentes em toda a nossa produção cultural e criativa. A riqueza de nosso povo se mostra em nossa música, nossos autores, atores, intérpretes etc.

Mesmo consumindo produtos culturais diversos de outros países ainda colocamos nossas características nas adaptações, versões e traduções de livros, músicas, séries, filmes, jogos e peças teatrais. 

O DNA do que nos faz ser parte do povo brasileiro, de forma indelével, está sempre presente em todo material cultural produzido no Brasil ou adaptado para o Brasil. Isso se repete em todos os povos de todas as nações ou grupos. Mexicanos, alemães, nigerianos, angolanos, japoneses, vietnamitas, todos trazem sua cultura nos produtos culturais que produzem e adaptam para suas nações.

Um criador, de qualquer nação, tem na subjetividade de sua obra uma infinidade de referências históricas e culturais que estabelecem inúmeras camadas possíveis de fruição. Tais camadas, mesmo quando não acessadas, permitem compreensões distintas da obra, promovendo o debate, a pesquisa e o enriquecimento daquele que a consome. 

O ser humano sempre deixa a marca de seu grupo nas coisas que toca.

Baseados nessa lógica, podemos concluir que o ser humano produz e transmite cultura, define o que é arte (e neste processo aponta valores que moldam a sociedade) e sua arte presente é um reflexo do passado que pode ou não indicar ou projetar futuros. Criamos e recriamos para o mundo a partir de uma vivencia histórica brasileira e a partir de uma materialidade brasileira.

Ao se eliminar ou substituir um fator dessa cadeia corremos o risco de deixarmos de ser o que somos, de perdermos o que nos faz sentir, sonhar e criar. Possivelmente isso nos faria deixar de sermos brasileiros.

A inteligência artificial generativa, que não passa de uma acumuladora e catalogadora de informação e maneirismos, hoje cresce e avança a passos largos em direção a uma ruptura social, sendo tratada como uma possível substituidora do fator humano na cadeia citada acima. Essa substituição, movida exclusivamente por agentes econômicos, criaria uma estrutura onde o humano seria trocado por uma inteligência artificial generativa, mas esta, seja baseada em um banco de dados aberto ou global como a internet, nunca seria equivalente a experiência criativa real humana. Todos teríamos o mesmo nível basal de criação, um banco de dados morto seria o ponto de início e as inúmeras características que nos fazem ser quem somos seriam pasteurizadas ou artificialmente forçadas sobre nós.

Por mais que as linhas de comando se adaptem ao solicitado, um livro compilado por uma inteligência artificial generativa na Austrália teria o mesmo ponto de partida natural ou artificial de um livro compilado no Brasil, uma base de dados, não um artista que processa, assimila e reflete a sua sociedade.

Diante de tal cenário, joias da nossa cultura seriam somente uma coisa do passado. Guimarães Rosa e seus neologismos, Ariano Suassuna e sua poderosa regionalidade, Carolina Maria de Jesus e  o retrato cruel do preconceito e da desigualdade, a voz e sabedoria dos povos originários na vasta obra de Daniel Munduruku, a incomparável força das interpretações de de Ruth de Souza e Raul Cortez , a riqueza sonora de Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Gilberto Gil, a lista é interminável. 

Todos os grandes nomes da nossa cultura passariam a servir somente de acervo para um banco de dados. Chegariam para nós processados e emulados por uma máquina.

Viveríamos em uma distopia onde teríamos apenas reflexos e ecos desses grandes nomes, tudo que uma inteligência artificial viesse a produzir seria um elemento pré-processado, pasteurizado e desprovido do elemento humano que tais nomes evocam. 

Defender nossa identidade é fundamental para nossos valores, nossa cultura e nossa voz brasileira. Defender nossa identidade é fundamental para que o nosso futuro esteja única e exclusivamente em nossas mãos. Defender a nossa identidade é defender os nossos maiores e mais ricos patrimônios, nossa língua, linguagem, nosso povo e nossa nação. Defender nossa identidade é defender nossa soberania nacional.

Então, o que nos faz brasileiros? Tudo que nós, seres humanos vivendo e respirando o Brasil fazemos, criamos e consumimos usando nossa língua e linguagem. 

Por tais motivos a inteligência artificial precisa ser compreendida dentro do contexto social e legal brasileiro e regulamentada. Seu uso indiscriminado pode causar danos sociais e econômicos sensíveis para a nação em um curtíssimo prazo além de danos culturais e, subsequentemente, morais e éticos irreversíveis. Porque neste ponto, a questão deixa de ser o que nos faz brasileiros, mas passa a ser o que nos faz humanos. 

Por isso propomos que nenhum ser humano artista, criador, produtor cultural, ou realizador cultural brasileiro de qualquer tipo seja substituído por uma inteligência artificial ou equivalente, porém que nenhum deles seja proibido de fazer uso de uma inteligência artificial para aprimorar seu trabalho. 

Nenhum produto produzido, localizado ou adaptado para o povo brasileiro poderá ser realizado substituindo um artista brasileiro por uma inteligência artificial.

Nenhuma obra que tenha sido concebida por uma inteligência artificial generativa ou de qualquer tipo poderá ter seus direitos autorais garantidos como a legislação brasileira prevê, uma vez que ela emula sem consentimento o trabalho de outros artistas, estes sim, detentores desses direitos. 

Nosso interesse não é proibir nenhuma evolução tecnológica, queremos apenas garantir que o que é apenas uma ferramenta de criação não passe a ser entendido como o nosso criador.

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